10.31.2009

Promessas que lucram


Começo por explicar. Trata-se de uma notícia que apanhei aqui. Craig Venter, cientísta que está envolvido nas pesquisas do Human Genome Project, declarou que a criação de vida artificial é mais difícil do que parecia. Voltemos no tempo.

Anos 1990. Nos EUA foi declarado público o Human Genome Project, que prometia a leitura e sequenciamento de todos os genes e DNA humanos até a decada seguinte. Patrocinado pelo National Health Institute e pelo departamento de energia norte-americano, este consórcio público internacional expôs o objetivo de, com o mapeamento genético generalizado, encontrar novos tratamentos terapêuticos e até prevenir doenças e epidemias que sem eles poderiam assolar a humanidade no futuro. Em 1998, surge uma companhia privada de biotecnologia, a Celera Genomics, que entra na corrida de sequenciamento do genoma. Em Junho de 2000, o “livro da vida” ou “código dos códigos” tinha finalmente sido lido. Mas a corrida para a criação de agentes terapêuticos tinha apenas começado, e empresas biotecnológicas assim como farmacêuticas estariam dalí em diante envolvidas em investimentos astronómicos, cujas experiências são levadas a cabo em pessoas de cidades e zonas rurais da India, país de terceiro mundo que participa com grande empenho nas  pesquisas genéticas.


As ciências da vida representam assim uma nova fase do capitalismo, já que o vetor tecnológico está sempre presente nas mutações do capital. Há uma reconfiuração da episteme nas ciências da vida, que se torna ciência da informação. Craig Venter saíra do Human Genome Project, público, para fundar a Celera Genomics, companhia privada que entra na corrida do sequenciamento genético. Como toda empresa biotecnológica, para se manter competitiva frente ás farmacêuticas - dinossauros no mercado de elementos terapêuticos - a companhia de Craig Venter deve sua expansão à investimentos no mercado financeiro antes da emergência de qualquer produto tangível. Ela depende da Recombinant DNA Tecnology (desenvolvida em 1973 por Herbert Boyer e Stanley Cohen), que permitiu às ciências da vida de tornarem-se tecnológicas, operando uma engenharia de componentes moleculares próprios. A industria biotecnológica aposta em investimentos no mercado financeiro, onde a especulação, fomentada por discursos prometedores de cientistas-businessmen, gera lucros imensos sem que apareça sequer um produto no mercado (em 1980, na sua primeira oferta pública, a Genentech IPO, que não produziu nenhum produto, foi avaliada em 35 milhões de dólares). O fetiche da mercadoria é um objecto de ilusão que é vendido no mercado financeiro, que consome probabilidades. O risco é capital, e o paciente é consumidor de “segurança” para o futuro, através de probabilidades. Assim, na co-produção entre biotecnologia e mercado financeiro, a credibilidade é mais importante do que a verdade. Esta aliás, não é importante para a circulação de capital, pois a ideologia neo-liberal da inovação ultrapassa a dicotomia verdade/mentira: os ciclos de valorização (margem entre promessa e não realização) são práticas legais - ver a Forward-Looking-Statement pela comissão de segurança e comércio dos EUA. Portanto, no debate sobre a patentbilidade das sequencias genéticas, não há interesses colectivos pela proteção do bem público como sendo de todos.

Para resumir: não acreditem no que esses vendedores de ilusão dizem acerca do futuro das descobertas genéticas. Pouco foi feito, e pouco será feito para o bem popular. Infelizmente, essas promessas lucram. Seja em forma de mentira descarada - DNAs que aparecem e embalagens de águas e iogurtes "mais saudáveis" e mais caros - como no mercado financeiro onde se injeta balúrdios de dinheiro na esperança ingênua de uma vida melhor. Ou mais lucartiva.