11.18.2010

Moro num beco

não importa qual. Na frente da minha casa, ou melhor, da minha janela, há uma senhora senil, e ao lado, uma outra senhora, um pouco menos senil, que geralmente muito brava sempre grita e esperneia contra o mundo. Seus lamentos de dor as vezes são cômicos, outras vezes são sublimes, mas as brigas com seu filho são mais tristes. Ouço tudo, claro, principalmente quando trabalho em casa, com a tal janela em frente, ouvindo tudo o que se passa no beco, ou seja, nada. Há cinco minutos atrás, eu sentado nesta mesma cadeira da qual não saí para escrever isto aqui, ouvi a tal senhora gritar: "então, o que faz o senhor parado aí no beco?". Ao que respondeu uma voz rouca que acusava uma idade certamente passada dos sessenta: "é que este beco é lindo. Lindo, não, é lindíssimo." A senhora, dos gritos loucos, passou o pano: "lindo? o senhor tinha que ver anos atrás, isto aqui é que era uma alegria, com churrasco, bailarico, festas e coisa tal, tudo decorado." Depois de um silêncio, imagino eu que com uma cara de interrogação do mesmo senhor, a senhora continuou: "Hoje, todos morreram, ta tudo morto, acabou". O senhor não respondeu.
   

11.16.2010

Esqueceram de convidar alguém para a cimeira da OTAN em Lisboa?

Ou seriam inimigos? Enquanto o exército vermelho, que venceu a IIº Guerra Mundial, valeu de sua tropa numerosa de 5 milhões de soldados - a lenda conta alguns sem armas - o exército chinês tem hoje dezenas de milhões. Nada mal para um país que não tem a garra imperialista dos ianques (que têm bases por todos os lados). Mas e quando esse pessoal decidir desabotoar as fronteiras e cair para o mundo, além de seus têxteis e eletrônicos? Quero só continuar perto do mar, sou amigos dos chineses.

11.15.2010

Os Donos do Mundo

Pode-se verificar e fundar para qualquer um que saiba passear, a existência, com prova, de pequenos sofrimentos quotidianos que se debruçam para apanhar o leite mais barato na prateleira do mercado. Cada qual, uns pioram, outros melhoram, muito muda, um país muda, um povo muda, mas na sua essência, continua sempre a mesma coisa. Estamos atravessando um deserto, e nele, os mais inteligentes não se podem preservar luxo maior, do que o de participar indigentemente de um movimento coletivo e quixotesco, contra gigantes tão reais quanto invisíveis. Eis que se o mundo chorasse para rir amanhã qualquer sacrificio ainda valeria a pena, de ser terrível e sublime ao mesmo tempo. Mas qual sacrificio, qual que, de quem, para que? Fui ver o que se passa fora dos muros brancos com o cheiro invernoso da humidade lisboeta, e descobri que a vida é imoral, e que por consequência, somos mesmo livres - merda. Por isso, moças e rapazes que nasceram no deserto com armaduras de desdém, saibam, saibamos! que a felicidade está na medida do fazer e não da contemplação. Por hora, isto é verdade velha, mas vale a pena o esforço de lembrar, artisticamente, de certos ditos que arriscam de serem aniquilados numa época em que a tecnologia privilegia a comunicação e despreza o pensamento. Lutar por uma dialética capaz de quebrar tijolos com palavras foi ridiculamente corajoso; talvez tenha sido melhor do que não perder pelo simplesmente nada.E foi assim que, depois de tudo o que a ciências e as artes puderam proporcionar de mais apaixonante e assassino, entramos na segunda idade média que, com a aceleração crescente dos devires, deverá durar menos em tempo, porém, causar maior estrago no espirito. Na espera, pensemos com o corpo, isso ajuda. E um pouco de música também.