5.30.2010

Crônicas metroviárias - Negro da linha 14 - por PABLO


Velho negro de cabelo branco
Que com sua calça verde de veludo velho
Senta no banco novo de veludo azul
Da nova linha vermelha do metro.

Velhos executivos e jovens aposentados
Prendendo a respiração olham disfarçadamente
Por detrás de seus ternos, amantes e gravatas
Ao velho negro de calça verde e cabelo branco
Que lentamente senta no banco azul – e ainda novo – da linha vermelha
Com seus sacos plásticos que carregam ínfima parte de sua vida.]
De uma sacola – “RATP vos agradece” – saca o resto de uma salada de frutas
Já comida pela metade.

Nesse instante os velhos executivos com suas gravatas e amantes
Os jovens aposentados com suas amantes de terno
Improvisam em um coro desajeitado um silêncio sincronizado
Suor que exala e faz barriga tremer.

(Mais pourquoi ça pue donc tant? se pergunta um turista não francófono que acaba de abrir o livro recém comprado de um tal Queneau).

E dos trilhos ainda intactos da nova linha 14 brota o preconceito
Dos ternos e das gravatas que levam as velhas amantes e os jovens aposentados.

No entanto
O velho negro
De cabelos grisalhos
Calça larga e fome digna
Continua a comer.

Ao chegar a vez daquela uva de cor vermelha como a linha do metro que tantas vezes tomara
Para e pensa.
Junto com o olhar dos jovens ternos das amantes aposentadas leva sua mão junto à uva
E a uva junto à boca.
Semente que dá vida, mas que matará de úlcera o pobre negro de calças velhas e verde.

Na próxima estação ele descerá com dignidade e rigidez.


Pablo é amigo, antropólogo, carioca, libanês, e as vezes poeta
O Mundo Louco e Vida Podre agradece.

Foi bonita a festa, pá. Para a próxima...

5.26.2010