10.27.2009

Caligula na corda bamba

Em posts anteriores alguns poderão verificar o meu interesse pelo que acontece no laboratório do pior, vulgo Italia (no que se restringe ao contexto europeu).

Parece que o chefe do governo está tomando uma surra.

Dizem alguns jornais que um tal de Mills, advogado britânico especialista em viabilizar esquemas ilícitos em paraísos fiscais, admitiu ter sido corrompido pelo Padrinho para mentir no tribunal em seu favor, na ocasião de um antigo processo contra a Mediaset, pequeno império que faria inveja ao Cidadão Kane.

Meu ingênuo sentido crítico sempre achou estranho como uma democracia poderia se sustentar tendo, na chefia do governo, o homem mais rico do país, dono da maior parte dos meios de comunicação, especulador imobiliário, magnata do futebol, com ligações mui intimas com a Cosa Nostra, e que se orgulha, entre outras coisas, de ter uma libído hiper ativa aos setenta e três anos de idade (afinal de contas, qual estadista não gostaria de ter a Mara Carfagna como ministra da "oportinidade" - será que ele teve a sua?). Ingenuidade minha mesmo.

Tipo um novo Augusto, ao ser eleito em 2008, a primeira coisa que fez foi passar uma lei (a lodo Alfani), segundo a qual a sua pessoa não poderia ser perseguida em tribunal. Coitado. Com tanto trabalho que deve dar ser mafioso, playboy, empresário e primeiro ministro, como querem que ele tenha tempo para se defender de processos inventados por "juízes esquerdistas"? - o que é estranho, pois uma das coisas que fazem da Italia o laboratório do pior é a de que já não há mais esquerda por lá.

A segunda coisa que fez, e que me surpreendeu mais do que tudo, foi em Julho do mesmo ano. Sob pretexto de segurança nacional contra a ameaça do estrangeiro ilegal e estuprador (um fantasma que ronda muitas cabecinhas européias contemporâneas), ele decretou estado de sítio por alguns dias. E isso com tudo o que sua definição pode supor: patrulha militar nas ruas e suspensão das garantias constitucionais. O que me surpreendeu não foi o estado de excessão em sí, mas o fato do ocorrido ter passado despercebido (ainda mais para os próprios italianos!): aquilo em nada mudou o quotidiano das pessoas, a "normalidade" seguiu seu rumo, e a noticia não fora mais comentada do que os resultados da Champions League. Esta possibilidade de um estado de excessão desapercebido, se não for digna de ficção científica, é pelo menos assustadora. Assutadora porque, se há uma experiência de continuidade, ela reverte a própria lógica da "excessão". Ou serei eu o paranóico?

De uns tempos pra cá, ele começou a tomar algumas surras, primeiramente vindas de sua ex-mulher, que declarou públicamente que estava indignada com as festas estilo Nero do marido, regadas a prostitutas de luxo e pó de pirlimpimpim. Pra mim isso não passou de mais uma notícia de revista cor-de-rosa. Por parvoíces parecidas, os estadunidenses se preocuparam mais com as tragadas de Monica Levinski no charuto de Bill Clinton do que com suas bombas largadas no Sudão.

Porém comecei a ficar mais atento quando soube há pouco tempo que a lodo Alfano tinha sido considerada anticonstitucional pela Corte Suprema italiana. Berlusconi reagiu dizendo que aquilo era mais uma conspiração de magistrados comunistas, que ele era o homem mais perseguido da história, apesar de ser o melhor chefe de governo que a Italia já teve. O humorista Roberto Begnini respondeu dizendo que Jesus Cristo era o segundo homem mais perseguido da história, e que ele, Begnini, era o melhor humorista que a Italia ja teve.

Uma pergunta que não quer calar. Pouco antes de começar a levar essas surras, o até então intocável Cavagliere, numa manobra pouco maquiavélica, criou inimizades no seio da Igreja. Não estou propondo nenhuma teoria da conspiração. É que em Italia, ao que me parece, nenhum governo até hoje ficou de pé sem o aval do Vaticano (Mussolini que o diga).

E agora, cai ou não cai?