11.27.2008

Juntos



Juntos, Ian, Marie e Richard O. viveram intensamente: eles se amaram, viajaram e detestaram o mundo. Sempre à procura de novos elixires, eles mergulharam num erotismo que preenchia o vazio de seus seres. Ao quebrarem as regras quotidianas do estado normal, eles se abriram em buscas desenfreadas por pulsões de vida. Ao se conhecerem cada vez melhor, foi aos poucos que eles acabaram por desenvolver capacidades jovens, hedonistas, destrutivas e prazerosas que os levariam num turbilhão de estórias sem fim. Cada desafio era uma quebra de limites. Uma espécie de consciência da morte em vida os uniram no esforço de libertação: o esforço de não temerem cada um a si mesmo. Isto tudo aconteceu. Até um certo ponto.

No dia seguinte àquela festa de fim de ano, Richard O. acordou com uma tremenda ressaca. Ele estava sozinho numa cama até então desconhecida com lençóis azuis desarrumados. Era a cama de Marie, no quarto de Marie, com o cheiro de Marie, e a sua ereção lhe lembrava a longa noite de sexo passada com Marie, das tentativas, dos gozos, do gosto da pele e dos olhares, trocados até o dia amanhecer. O barulho do chuveiro acalmou Richard por alguns instantes, mas a imaginação começou a tomar controle de seu corpo. Ele levantou da cama, e com passos discretos e silenciosos atravessou o quarto em direção ao banheiro. Encostando o ouvido na porta, Richard distinguiu todos os movimentos de Marie. O cheiro de baunilha discriminava a passagem diluída do sabonete líquido que Richard queria ter em mãos. O som do xampu aberto o fez sonhar ainda mais alto. Sua vontade era a de abrir a porta e entrar apaixonado, mas ele teve medo. Quando Marie fechou o chuveiro ele não soube esperar, e voltou com passos leves para a cama, como se estivesse apagando seus traços secretos. Deitou deitou para fingir que estava dormindo, confiando na sua própria esperteza, ingênua, e para esperar que ela voltasse nua do chuveiro para acordá-lo. Marie ouviu os passos de Richard ao desligar o chuveiro, pois, atenta, ela também tinha esperado que ele entrasse. Ela riu depois de um susto, mas ele não ouviu. Marie olhou-se no espelho e se achou linda, depois foi para o quarto com um pouco de coragem. Enquanto se secava e perfumava, ela contemplou o corpo magro do rapaz. Ela então inclinou-se para beijar um rosto sem barba. Richard pensava apenas em esconder sua ereção e euforia, coisas das quais tinha vergonha, e ensaiou um acordar muito mal espreguiçado. Ao abrir os olhos ele viu Marie já vestida, e seu desencanto não deixou disfarces. O coração de Marie quis agradecer todo o esforço dócil do rapaz, pelos gestos carinhosamente mentirosos, pelo seu teatro infeliz. Mas ela apenas disse: ... (continua)